O Alto da Boa Vista é de Todo Mundo

O Alto da Boa Vista é de Todo o Mundo

A Floresta da Tijuca é certificada pela Unesco, reserva da biosfera. Portanto tem importância mundial. O Ibama e a Prefeitura vêm á anos, entre idas e vindas de gestões compartilhadas, disputando quem administra o Parque e qual é a função especifica de cada um, sem chegar a um acordo de competências. Seria nacional, estadual ou municipal o desígnio de zelar pelo nosso espaço verde no coração da cidade?

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Em visita a uma das comunidades pobres ameaçadas de remoção pela justiça a pedido do Ministério Público Estadual, sobre a acusação de estarem agredindo o meio ambiente, chamada de Açude, pela proximidade ao belo lago Açude da Solidão. Descubro que uma família que mora no local a mais de oitenta anos, sempre no mesmo espaço, em casas simples em melhorias, estão sendo taxados de ameaça ao meio ambiente. Nas fotos antigas, da década de quarenta, vemos o Sr. Francisco de Freitas, capataz e chefe da guarda florestal, que foi morar ali por também ser cantoneiro, ou seja, guardião das fronteiras da floresta. Nestes anos as casas foram construídas no “quintal” e nunca ultrapassaram os limites do terreno que lhes foi confiado.
Se antes de qualificarem e rotularem a família Freitas como criminosos ambientais, o Ministério Público tivesse procurado a comunidade para ouvi-la, certamente não estaria voltando suas forças para gente humilde que reside legitimamente no pedacinho que nasceram e aprenderam a amar.
Outra comunidade ameaçada é a Fazenda. Construída em torno de uma casa grande e de uma senzala que ainda estão lá para testemunhar os seus mais de cem anos de história. Uma industria de papel agregou ali, por décadas, uma espécie de vila operária e foi desativada nos anos setenta. A partir desta data os moradores agregaram-se em uma associação. Desenvolvem projetos ambientais em parceria com o Instituto Terra Azul, o Parque Nacional, o
Ibase e até a Petrobrás. Respeitam todos os eco limites e articulam até um canteiro de mudas para o reflorestamento. Convivem e cuidam, já que foi a muito abandonado pela pelo poder público, do parque das Furnas, espaço de rara importância geológica, que foi estudado pelo suíço, Louis Agassiz em 1820, além de abrigar os governantes do Rio de Janeiro em 1711, quando da segunda invasão francesa na cidade. Foi então batizado de “Pedras Santas” já que ali foi construído altar para a realização de missas pelo bispo refugiado.
Cada uma destas comunidades tem uma referência antiga e também uma história de descasos. Na comunidade de Mata Machado, que leva o nome do Conselheiro Imperial que ali possuía uma fazenda, o projeto Favela-Bairro, que é tido como modelo pela Prefeitura, previa a construção de creche, escola, estação de tratamento de esgoto, parques e praças, água encanada, entre outras melhorias. Apesar de terem sido inauguradas, com direito a placa que ainda está no local, apenas o calçamento foi feito. O restante da obra foi abandonado. Nunca ouve uma creche, escola nova ou praça. O esgoto é jogado diretamente no Rio Gávea Pequena e a água encanada nunca chegou às torneiras. O mesmo ocorre no projeto Bairrinho de Tijuaçu. Apesar de constar com uma estação de tratamento, um imenso tubo está sendo instalado pela Prefeitura para jogar todo o esgoto da comunidade no Rio Cachoeira.
Por ironia do destino, um dossiê foi apresentado ao Ministério Público no início deste ano, com provas contundentes de omissão e mau uso de dinheiro público, solicitando a intervenção para obrigar a Prefeitura a concluir as obras. Este foi parar nas mãos da mesma promotora que solicitou agora as remoções, Drª Rosani Cunha, que sequer respondeu aos moradores. Em vez de melhorias, remoção.
Este método de mirar nos pobres e atirar sobre os seus ombros todas as culpas sociais é na verdade uma rota satisfatória de fuga da realidade, um grande medo da possibilidade de ter de arcar com perdas financeiras e de poder, no custo de criar uma sociedade mais justa. Devíamos estar debruçados numa mesa redonda com toda a sociedade em busca de uma política urgente e eficaz para a questão da moradia popular, implementando a regularização fundiária nas comunidades, investindo em infra-estrutura básica para estas áreas, atitudes que incorporariam as favelas á cidade, transformando em cidadão o marginalizado, em brasileiro o rotulado e em carioca, como qualquer um do Leblon ou Ipanema, o morador da favela.
Mas enquanto rasgarmos a Constituição, o Estatuto das Cidades e a lei Orgânica do Município, insistirmos nos meios excludentes como as remoções, não descermos do nosso pedestal e nos aproximarmos realmente da realidade de nossa cidade, apenas tentaremos nos esconder atrás de muros, cada vez mais altos e deixaremos para os nossos filhos uma metrópole partida, extremamente desigual, violenta e injusta.
Uma triste herança, em lugar de uma cidade para todo mundo.


Roberto Maggessi Sousa Filho
CONCA – Conselho de Cidadania do Alto da Boa Vista

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